NOTA
PRELIMINAR
Nos
testemunhos dos pais antigos, que Owen apensou ao tratado seguinte, ele cita
Agostinho e Próspero como autoridades em apoio a sua opinião de uma expiação
definida e eficaz. Embora esses pais, em oposição aos pelagianos e semipelagianos
de seus dias, sustentassem essa visão, o ponto não emergiu em uma proeminência
imperiosa na controvérsia com a qual seus nomes são principal e honradamente
associados. Não foi de modo algum um assunto de especial controvérsia, ou a
chave de sua posição no campo no qual esses Pais ganharam o reconhecimento.
Foi, porém, na disputa que prevaleceu entre Incmaro[1] e Godescalco[2], exatamente quatro séculos
depois que a discussão sobre a extensão da expiação assumiu uma forma distinta
e positiva. As decisões dos diferentes concílios que se reuniram para julgar os
princípios conflitantes será achada no apêndice deste tratado.
A
mesma controvérsia foi renovada na Holanda entre os gomaristas e os arminianos,
quando o Sínodo de Dort, em um de seus artigos, condenou a doutrina remonstrante
de uma expiação universal. Cameron, o esmerado professor de teologia em Saumur,
originou a última discussão importante sobre o assunto, antes que Owen
escrevesse seu tratado a respeito. As opiniões de Cameron foram adotadas e defendidas
com grande habilidade por dois de seus estudiosos, Amyraud e Testard; e no ano
de 1634 surgiu a controvérsia que agitou a igreja francesa por muitos anos.
Amyraud tinha o apoio de Daillé e Blondell e foi habilmente oposto por Rivet,
Spanheim e Des Marets.
Nas
últimas duas instâncias em que a discussão sobre a extensão da expiação reviveu
nas igrejas reformadas, houve uma distinção essencial, muito comumente
subestimada, entre os pontos especiais aos quais as controvérsias
respectivamente diziam respeito. O objetivo do artigo sobre a morte de Cristo,
emitido pelo Sínodo de Dort, era neutralizar a doutrina de que Cristo, pela
expiação, apenas adquiriu para o Pai um direito e liberdade plenários de
instituir um novo procedimento com todos os homens, pelo qual, na condição de que
fossem obedientes, poderiam ser salvos. Os teólogos de Saumur não teriam aceitado essa doutrina como uma representação correta de seus sentimentos. Admitindo
que, pelo propósito de Deus, e através da morte de Cristo, os eleitos são
infalivelmente assegurados no aproveitamento da salvação, eles contendiam por
um decreto antecedente, pelo qual Deus é livre para dar a salvação a todos os
homens por meio de Cristo, na condição de
que cressem nele. Daí que seu sistema fosse denominado universalismo hipotético. A diferença vital entre essa teoria e a
arminiana estrita subjaz na segurança absoluta afirmada naquela primeira para a
recuperação espiritual dos eleitos. Concordam, entretanto, em atribuir algum
tipo de universalidade à expiação e em sustentar que, em uma certa condição, dentro do alcance do
cumprimento por todos os homens, - obediência geralmente, de acordo com os
arminianos, e fé, de acordo com os teólogos de Saumur – todos os homens têm
acesso aos benefícios da morte de Cristo.
Para
transmitir consistência à teoria de Amyraud, a fé deve, em algum senso, ser apropriada
para todos os homens; e ele sustentou, por conseguinte, a doutrina da graça universal, em cujo aspecto sua
teoria difere essencialmente da doutrina da expiação universal, como abraçada
por eminentes teólogos calvinistas, que sustentavam a necessidade da operação especial da graça, a fim de
exercitar a fé. Os leitores de Owen entenderão, a partir dessa explicação
apressada, por que ele lida com peculiar agudeza e reiteração de declaração
sobre uma refutação do sistema condicional, ou o sistema da graça universal, de acordo com o nome
que adquiriu em discussões posteriores. Este era plausível; tinha muitos
eruditos entre seus defensores; tinha obtido circulação nas igrejas
estrangeiras; e parecia ter sido abraçada por More, ou Moore, cuja obra sobre “A Universalidade da Livre Graça de Deus”, Owen replica em grande extensão.
Thomas
Moore é descrito por Edwards, em seu “Gangraena”,
parte II, p. 86, como “um grande sectário, que causou muito dano em
Lincolnshire, Norfolk e Cambridgeshire; que era famoso também em Boston, Lynn e
até mesmo na Holanda, e era seguido de lugar em lugar por muitos”. Sua obra, em
um volume in-quarto, foi publicada em 1643, e no mesmo ano apareceu uma réplica
de autoria de Thomas Whitefield, “Ministro do Evangelho em Great Yarmouth”. O
Sr. Orme nota que “ele tem cuidado de nos informar em um título de página que
‘Thomas Moore era outrora um tecelão em Wills, próximo de Wisbitch.’” E
acrescenta que, em relação à produção de Moore, “sem aprovar o argumento da
obra, não hesito em dizer que é honrosa aos talentos do tecelão, e não
desonrosa à sua piedade”. O tecelão, deve ser adicionado, foi o autor de
algumas outras obras: “Descoberta dos
Sedutores que Lisonjeiam pelas Casas”, “Sobre
o Batismo”, “Um Discurso sobre o
Sangue e Sacrifício Preciosos de Cristo”, etc.
Em 1650, o Sr. Horne, ministro em Lynn, em
Norfolk, um homem, segundo Palmer (Nonconf.
Mem., iii, pp. 6, 7), “de exemplar e simples piedade” e autor de diversos livros,
publicou uma réplica à obra de Owen, intitulada “A Porta Aberta para a Aproximação do Homem a Deus; ou uma vindicação do
registro de Deus relativo à extensão da morte de Cristo, em resposta ao tratado
sobre o assunto do Sr. John Owen.” Horne tinha uma reputação considerável
por sua habilidade com língua orientais e “algumas de suas observações e
interpretações da Escritura” que, no julgamento de Orme, “não eram indignas da
atenção de Owen”. Este, porém, em sua epístola prefixada à obra “Vindiciae Evangelicae”, expressou sua
opinião de que a obra de Horne não merecia uma réplica.
Dois anos após A Morte da Morte ter sido publicada, seu autor teve que defender
alguns dos pontos que havia mantido nela contra um adversário mais formidável e
celebrado. Richard Baxter, em um apêndice a seu “Aforismos sobre a Justificação”, apresentou algumas discordâncias das
opiniões de Owen sobre a redenção. Owen lhe respondeu em um tratado que pode
ser encarado como um apêndice a seu “Morte
da Morte”. Nas discussões entre eles, muito das sutilezas escolásticas
aparece em ambos os lados que é provável que se sinta pouco interesse nesse
departamento da questão geral sobre a qual discordavam.
Pode ser necessário declarar precisamente
que opinião Owen realmente sustentava com relação à extensão da expiação. Todas
as opiniões sobre esse ponto, em termos gerais, podem ser reduzidas a quatro.
Há alguns que sustentam que Cristo morreu para que, no fim das contas,
assegurasse a salvação de todos os homens. Há outros que mantêm a opinião
condenada pelo Sínodo de Dort, que pela morte de Cristo Deus é capacitado a
salvar todos ou qualquer um, na condição de que obedeçam. Há um terceiro
partido que, à medida em que creem que Cristo morreu com o fim de
infalivelmente assegurar a salvação dos eleitos, sustentam que, visto que
Cristo, em sua obediência e sofrimentos, fez o que todos os homens estavam na
obrigação de fazer, e sofreu o que os homens mereciam sofrer, sua expiação tem
um aspecto e referência gerais bem como especiais, em virtude do que a oferta
do evangelho pode ser livremente ofertada a eles. Finalmente, há aqueles, entre
eles Owen, que advogam uma expiação limitada ou definida, expiação tal que
implica uma conexão necessária entre a morte de Cristo e a salvação daqueles
por quem morreu, ao passo que o real procedimento da expiação quanto aos
perdidos é deixado entre as coisas não reveladas, salvo apenas que sua culpa e
punição são aumentadas pela rejeição daquela misericórdia oferecida no evangelho.
Hagenbach, em sua “História das Doutrinas”, vol. 2, p. 255, estranhamente afirma que “com
relação à extensão da expiação, todas as denominações, com exceção dos
calvinistas, sustentam que a salvação foi oferecida a todos”. Seria difícil
especificar qualquer calvinista digno desse nome que sustentasse que a salvação
não deveria ser oferecida a todos; e parece ser necessário declarar que Owen
pelo menos, o mais calvinista dos calvinistas, não sustentava essa opinião. Ao contrário,
entre os calvinistas que aderem à doutrina da expiação limitada, tem sido
matéria de debate não se o evangelho deve ser ofertado universalmente, mas em
que base - a simples ordem e garantia da Palavra ou a suficiência intrínseca e
infinita da expiação - a oferta universal do evangelho procede. Talvez esse
ponto nunca esteve formalmente ante a mente de nosso autor, mas ele intima que a
“suficiência inata da morte de Cristo é o fundamento de sua oferta indistinta
aos eleitos e réprobos”.
Entre as edições valiosas dessa obra,
aquela impressa em Edimburgo, em 1755, sob a superintendência do Rev. Adam Gib,
merece menção honrosa. Foi impressa com algum cuidado; considerável atenção é
dispensada à numeração; e uma análise valiosa da obra inteira é a ela
prefixada. Não nos sentimos na liberdade de adotar a numeração em todos os
aspectos, vez que se usa de mais liberdade com o original do que seria
consistente com os princípios dessa edição das obras de Owen. Reconhecemos
nossas obrigações a ela na preparação da análise, que é em sua maior parte
tomada dela.
[1] Incmaro
de Reims (Em latim: Hincmarus
Rhemensis; em francês: Hincmar); (806 a 882). Foi arcebispo de Reims, amigo,
conselheiro e propagandista de Carlos, o Calvo, e uma das mais importantes figuras da
história da Igreja durante o período carolíngio.
[2] Godescalco de Orbais (em latim: Gotteschalcus
Orbacensis; em francês: Godescalc; em alemão: Gottschalk; (808 a 867)
foi um teólogo, monge e poeta saxão que é mais conhecido por ter sido um dos primeiros
advogados da doutrina da dupla predestinação.
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